quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

São Nicolau de Mira ou Bari
O gentil santo dos presentes natalinos

Famoso por suas esmolas e socorro ao povo cristão, tornou-se para vários países o santo que realça as festas de Natal

Plinio Maria Solimeo

Na vida de São Nicolau de Mira, ou de Bari, é difícil saber o que é realidade e o que é legenda. Pois este santo do século IV foi um dos mais venerados no Oriente, antes de o ser no Ocidente. E as legendas contando maravilhas a seu respeito espalharam-se por todo o mundo.
Nicolau nasceu por volta do ano 270 em Patara, opulenta capital da Lícia (atual Turquia), de pais nobres, ricos e piedosos. Recebeu requintada educação religiosa e cívica. Na escola, evitava a companhia dos colegas perniciosos, só travando amizade com os bons e virtuosos. Crescendo, evitava os espetáculos perigosos, e domava seu corpo com vigílias, cilícios e jejuns.
Quando seus pais faleceram, Nicolau herdou grande riqueza. Mas considerou-se apenas administrador desses bens, cujos reais senhores se tornaram os pobres e os necessitados.

Socorro à pobreza envergonhada

Foi então que ocorreu um fato que todos os seus biógrafos narram e pintam tão bem. Um nobre caído na pobreza, não tendo como casar suas três filhas jovens e nem mesmo mantê-las, teve o satânico propósito de as prostituir para ganhar a vida. Nicolau soube do fato e ficou horrorizado. Tomando então uma bolsa com moedas de ouro, jogou-a pela janela da casa do infame, dando-lhe com isso o suficiente para casar a filha mais velha. No dia seguinte fez o mesmo, possibilitando casar a filha do meio. O beneficiado pôs-se então à espreita, para ver quem era seu anônimo benfeitor. E quando Nicolau, no terceiro dia, jogou outra bolsa para o dote da terceira filha, o nobre se lançou a seus pés, dizendo-se arrependido e agradecendo-lhe por aquele benefício. Nicolau pediu-lhe, confuso, para não tornar público o fato. Mas em vão, pois no dia seguinte toda a cidade comentava aquele grande ato de caridade.
Nicolau procurava, desse modo, remediar com suma caridade todos os necessitados. Socorria assim os enfermos e os miseráveis, libertava escravos e procurava atender todos os que sofriam por alguma causa.
Tendo falecido o arcebispo de Mira, os prelados da província e o clero elevavam fervorosas preces aos Céus, pedindo luzes para encontrar um digno sucessor. Como não chegavam a um acordo sobre quem escolher, combinaram então, por inspiração do alto, eleger bispo o primeiro cristão que entrasse na igreja no dia seguinte.
Ora, Nicolau tinha se mudado de Patara para Mira, a fim de viver mais obscuramente. E pensou logo em visitar a igreja local. Assim, bem de manhãzinha, franqueou o umbral do templo, ignorando em absoluto o que fora combinado. E foi logo apanhado e aclamado bispo. Embora resistisse, foi preciso ceder à vontade de Deus.

Elevação ao episcopado: luta contra os vícios

Nicolau tinha até então vivido de modo exemplar. Mas deu-se conta de que a elevada dignidade de que tinha sido revestido exigia ainda maior virtude. E disse para consigo: “Nicolau, esta dignidade requer outra vida. Até hoje viveste para ti. Agora hás de viver para os demais. Se queres que tua palavra persuada a grei que Deus te confiou, tens que dar eficácia às tuas exortações com o exemplo de uma vida perfeita”.1 A partir de então passava parte da noite em oração, comia uma só vez ao dia, abstendo-se de carne e vinho, dormia sobre uma dura enxerga e consagrava uma parte do tempo à oração e a outra parte à administração da diocese.
“Sua solicitude pastoral estendeu-se geralmente a todas as necessidades de seu povo. Cuidava dos pobres, dos doentes, dos prisioneiros, das viúvas e dos órfãos. Quando não os podia assistir pessoalmente, fazia-os ser visitados e assistidos por pessoas piedosas, a quem encarregava esses cuidados. Sua principal aplicação era a de conhecer as necessidades espirituais de seus fiéis e de levar-lhes os remédios eficazes. [...] Pregava contra todos os vícios, e o fazia com uma eloquência divina que o tornava vitorioso sobre todos os corações”.2

Salvando marinheiros de naufrágio

Num ano de grande carestia na Lícia, Nicolau soube que alguns barcos vindos de Alexandria, no Egito, com grande carregamento de trigo, refugiaram-se num porto perto de Mira. O santo apressou-se em ir até eles, suplicando aos armadores que fornecessem parte de sua mercadoria para remediar a extrema necessidade dos fiéis. Eles recusaram, alegando que todo o carregamento pertencia ao Estado e se destinava a Constantinopla. O bispo pediu-lhes então que cada barco fornecesse apenas certa medida de trigo, que ele retribuiria todo prejuízo junto ao administrador do tesouro público em Constantinopla. Por fim os armadores consentiram, e depois fizeram vela para o Bósforo. Quando chegaram ao destino, foram medir o trigo em seus barcos, e viram que havia a mesma quantidade deste ao partir de Alexandria. Os marinheiros narraram então, por toda parte, o prodígio operado pelo bispo santo.
Noutra ocasião, um navio foi surpreendido por terrível tormenta em alto mar. Seus tripulantes rogaram a Deus que, pelos méritos de seu servo Nicolau, os livrasse do perigo. No mesmo momento o santo bispo apareceu-lhes, dizendo: “Aqui estou para ajudar-vos. Tende confiança em Deus, de quem sou servo”. E, tomando o timão, dirigiu a nave em meio ao proceloso mar até o porto de Mira, e desapareceu. Os marinheiros foram então para a igreja agradecer tão grande favor. E viram ao santo no meio de seu clero. Lançaram-se então a seus pés, testemunhando seu reconhecimento. Confuso ante essa calorosa manifestação, São Nicolau lhes disse: “Dai a Deus, meus filhos, a glória desse sucesso. Quanto a mim, não sou senão um pecador e um servo inútil. Ele é Quem faz as grandes maravilhas”.
São Nicolau foi encarcerado na perseguição de Diocleciano, sendo libertado depois, com a ascensão do imperador Constantino.
Narra-se também que Nicolau apareceu em sonhos a este imperador, increpando-o por ter condenado injustamente à morte três de seus comissários. Acordando, o imperador chamou seus secretários para cientificar-se do ocorrido. E suspendeu a sentença contra aqueles inocentes.
Narra a legenda que, numa época de muita fome, um açougueiro atraiu três meninos para sua casa, matou-os e pôs os corpos num barril, querendo vender a carne como sendo de porco. São Nicolau, visitando a região à procura de alimentos para seu povo, conheceu o horrível crime do açougueiro e, com suas preces, ressuscitou os três meninos.3 Essa lenda correu o mundo e permaneceu, por exemplo, numa singela canção infantil que as crianças francesas cantavam até há pouco.
Um biógrafo do santo, o arquimandrita (superior de um mosteiro na Igreja Oriental) Miguel, narra assim sua morte: “Havendo regido a Igreja metropolitana de Mira e embalsamado o país com o perfume de uma santíssima vida sacerdotal, trocou esta vida perecedoura pelo repouso eterno” por volta do ano 341.4
Suas relíquias são preservadas na igreja de São Nicolau, em Bari. E até hoje uma substância oleosa — conhecida como Maná de São Nicolau, altamente apreciada por seus poderes medicinais — emana delas.5

Devoção ao santo no Oriente e no Ocidente

No império bizantino, São Nicolau de Mira era venerado como um dos mais poderosos auxiliares do povo cristão. No século VI, o imperador bizantino Justiniano I construiu em Constantinopla uma basílica em sua honra. São João Crisóstomo o colocou em sua liturgia com a bela invocação: “Cânone da fé, imagem da mansidão, mestre da continência, chegaste à região da verdade. Pela humildade conseguiste o mais sublime, pela pobreza o mais opulento. Pai Nicolau, sê o nosso legado para com Jesus Cristo, para que consigamos a salvação de nossas almas”.6
Seu culto chegou à Itália em 1087, quando mercadores italianos roubaram suas relíquias e as levaram para Bari. Daí seu culto chegou à Alemanha durante o reinado de Oton II (955-983). Nesse tempo, o bispo Reginaldo de Eichstaedt (+ 991) escreveu sua vida, que se tornou muito popular. São Nicolau tornou-se também o patrono de vários países da Europa, como a Grécia, a Rússia (é patrono de Moscou), o Reino de Nápoles, a Sicília, a Lorena, e também de várias cidades da Itália, da Alemanha, da Áustria, da Bélgica, da Holanda e da Suíça.
Na Holanda ele é conhecido como Sinterklaas. Representam-no montando um cavalo branco, mitra sobre a cabeça e empunhando um báculo dourado. Segundo uma legenda, ele cavalga sobre os telhados, acompanhado de seu escudeiro Pikkie, um mouro terrível que põe num saco os meninos maus. São Nicolau visita as casas, perguntando: “Há aqui algum menino mau?” Todos respondem: “Não, Sinterklaas, aqui todos somos bons”. “Todos?” — pergunta o bispo. “Sim, Sinterklaas”. Então o santo distribui bombons a todas as crianças. Quando alguma delas não se portou bem durante o ano, em vez de bombom, o santo dá-lhe um pedaço de carvão. O mesmo ocorre no sul da Alemanha, país onde está havendo uma sadia reação contra a intromissão do Papai Noel nas festas natalinas e um ressurgir da tradição do Sinterklaas, cheia de encanto, inocência e autêntico espírito católico.

Investida anticatólica contra São Nicolau

Nos Estados Unidos e em muitos outros países, São Nicolau foi substituído pelo comercializado Papai Noel. E o espírito religioso do Natal lamentavelmente vai se extinguindo, dando lugar a outro, comercial e materialista.
Entretanto, surgiu recentemente em algumas zonas da Alemanha, um movimento popular propugnando o retorno da tradicional figura de São Nicolau nas festas natalinas e a proibição do Papai Noel — personagem imposto pela propaganda neopagã para eliminar a benéfica e secular influência católica do Santo bispo de Mira nas comemorações do nascimento do Divino Infante.

Notas:
1. Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1949, tomo VI, p. 365.
2. Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris, 1882, vol. XIV, p. 87.
3. Cfr.
http://en.wikipedia.org/wiki/Saint_Nicholas#cite_ref-6.
4. Edelvives, op. cit. p. 369.
5. Cfr. Michael T. Ott, Saint Nicholas of Myra, The Catholic Encyclopedia, CD Rom edition.
6. Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madri, 1945, tomo IV, p. 483.

sábado, 26 de novembro de 2011

Santa Catarina Labouré, a vidente da Medalha Milagrosa

Por muitos anos ninguém soube como surgiu a Medalha Milagrosa. Apenas em 1876 tornou-se público que uma humilde religiosa, falecida naquele ano, é que recebera da Mãe de Deus a revelação dessa Medalha. 
                                                                          Plinio Maria Solimeo
 Na pequena aldeia de Fain-les-Moutiers, na Borgonha, Catarina nasceu a 2 de maio de 1806, a nona dos onze filhos de Pedro e Luísa Labouré, honestos e religiosos agricultores.
Quando tinha apenas nove anos, Catarina perdeu a mãe. Após o funeral, a menina subiu numa cadeira em seu quarto, tirou uma imagem de Nossa Senhora da parede, osculou-a e pediu-lhe que Ela se dignasse substituir sua mãe falecida.
Três anos depois, sua irmã mais velha entrou para o convento das Irmãs da Caridade de São Vicente de Paulo. Couberam a Catarina, então com 12 anos, e à sua irmã Tonete, com 10, todas as responsabilidades domésticas. Foi nessa época que ela recebeu a Primeira Comunhão. A partir de então a menina passou a levantar-se todos os dias às quatro horas da manhã, para assistir à Missa e rezar na igreja da aldeia. Apesar dos inúmeros afazeres, não descuidava sua vida de piedade, encontrando sempre tempo para meditação, orações vocais e mortificações.
São Vicente de Paulo indica-lhe sua vocação
O tempo foi passando, e Catarina crescendo em graça e santidade. Certo dia ela sonhou que estava na igreja e viu um sacerdote já ancião celebrando a Missa. Quando esta terminou, o sacerdote fez-lhe um sinal com o dedo, chamando-a para perto de si. Porém, tímida, Catarina retirou-se do recinto sagrado e foi visitar um doente. O mesmo sacerdote apareceu-lhe, e disse: “Minha filha, é uma boa obra cuidar dos enfermos; você agora foge de mim, mas um dia será feliz de me encontrar. Deus tem desígnios sobre você, não se esqueça”. Catarina acordou sem entender o significado do sonho.
Mais tarde, visitando o convento das Irmãs da Caridade de Chatillon, onde estava sua irmã, viu na parede um quadro representando o mesmo ancião. Perguntou quem era, e responderam-lhe que se tratava de São Vicente de Paulo, fundador da Congregação. Catarina entendeu então que sua vocação era a de ser uma das filhas do Santo da caridade.
Mas seu pai não queria ouvir falar disso. Já bastava ter dado uma filha a Deus, e ele tinha muito apego a Catarina. Para distraí-la dessa idéia, mandou-a a Paris, para ajudar seu irmão que tinha lá uma pensão. Foi uma provação para a santa ver-se em meio aos rudes fregueses do estabelecimento, o que a fez redobrar as orações para manter sua pureza de coração e o fervor de espírito.
Uma cunhada a convidou a ir para sua casa, em Chatillon, onde mantinha uma escola para moças. Ali Catarina podia ir freqüentemente ao mosteiro das Irmãs da Caridade, que ficava perto. E foi nessa casa religiosa que ela entrou a 22 de janeiro de 1830, quando seu pai deu-lhe finalmente a devida permissão. Catarina tinha então 24 anos de idade.
Preparação para importantes revelações
Depois de passar pelo postulantado em Chatillon, Catarina foi mandada para o noviciado na Casa-mãe das vicentinas, na Rue du Bac, em Paris. Nesses dias, a comunidade rezava uma solene novena preparatória para a trasladação das relíquias de São Vicente de Paulo.
Catarina teve várias visões do Santo, e sobretudo do seu coração, que ficara incorrupto. Mas era agraciada com outras visões especiais. Conforme narra ela mesma, uma delas “era a de ver Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento. Eu O vi durante todo o tempo do meu noviciado, exceto todas as vezes que eu duvidava; nesses dias eu nada via, porque procurava aprofundar-me em indagações sobre este mistério, e temia enganar-me”.(1) No domingo da Santíssima Trindade, “Nosso Senhor me apareceu no Santíssimo Sacramento durante a Missa cantada, como um rei, tendo uma cruz ao peito. No momento do Evangelho, pareceu-me que a cruz caía aos pés de Nosso Senhor e que Ele estava sem as insígnias reais; todas tinham caído por terra. Tive então os mais negros e tristes pensamentos: pensei que o Rei da Terra estava perdido e ia ser despojado da realeza; e depois disso pensei, sem saber explicar, na extensão dos grandes males que viriam”.(2) Com efeito, poucas semanas depois, Carlos X foi destituído do trono e banido do reino.
Essas graças eram uma preparação para as grandes aparições da Mãe de Deus.
Primeira visão da Santíssima Virgem
Na véspera da festa de São Vicente, ainda em 1830, a Mestra de Noviças tinha feito uma preleção sobre a devoção aos santos, e especialmente a Nossa Senhora. Isso inflamou na Irmã Catarina o desejo de ver a Mãe de Deus. Quando foi deitar-se, pegou um pedacinho de uma sobrepeliz de São Vicente, que a Mestra tinha dado como relíquia às noviças, e engoliu-o, julgando assim que São Vicente poderia alcançar-lhe essa graça.
Quando tudo no convento estava tranqüilo e todos dormiam, às onze e meia da noite, a Irmã Catarina ouviu uma voz de criança que a chamava. Abriu o cortinado do leito e viu um menino de uns cinco anos de idade, que lhe disse: “Venha à capela. A Santíssima Virgem a espera”. Catarina vestiu-se rapidamente e seguiu a criança até a capela, que estava iluminada como para a Missa de Natal.
O menino, que era o Anjo da Guarda de Catarina, conduziu-a ao presbitério, para junto da cadeira do Padre Diretor. Aí ela ajoelhou-se. Depois de um tempo que lhe pareceu longo, ouviu o ruído do frufru de um vestido de seda e viu a Santíssima Virgem sentar-se na cadeira. Conta-nos Catarina: “Ela me disse como eu devia proceder para com meu diretor, como devia proceder nas horas de sofrimento e muitas outras coisas que não posso revelar”.(3)
Essas coisas que ela não podia contar em 1830, revelou-as depois: “Várias desgraças vão cair sobre a França; o trono será derrubado; o mundo inteiro será revolto por desgraças de toda sorte”. Falou também de “grandes abusos” e “grande relaxamento” nas comunidades de sacerdotes e freiras vicentinas, e que deveria alertar disso os superiores.
Voltou, em seguida, a falar de outros terríveis acontecimentos que ocorreriam em futuro mais distante, prevendo com 40 anos de antecedência as agitações da Comuna de Paris e o assassinato do Arcebispo; prometeu sua especial proteção, nessas horas trágicas, aos filhos e às filhas de São Vicente de Paulo.
Revelação extraordinária da Medalha Milagrosa
No dia 27 de novembro de 1830, Catarina havia acabado de fazer a leitura da meditação, na capela, quando ouviu o característico frufru de um vestido de seda. Olhou para o lado e viu Nossa Senhora vestida de branco, sobre uma meia-esfera. Tinha nas mãos uma bola que representava o globo terrestre, e olhava para o Céu.
“De repente — narra Catarina — percebi anéis nos seus dedos, engastados de pedras brilhantes, umas maiores e mais belas do que as outras, das quais saíam raios que eram, também, uns mais belos que os outros”. Nossa Senhora explicou-lhe que tais raios simbolizavam as graças que derramava sobre as pessoas que as pediam.
Continua Catarina: “Formou-se um quadro em torno da Santíssima Virgem, de forma oval, no alto do qual estavam escritas, com letras de ouro, estas palavras: Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós!”
Ao mesmo tempo, uma voz disse-lhe para mandar cunhar uma medalha conforme aquele modelo, com a promessa de que as pessoas que a trouxessem ao pescoço receberiam muitas graças, “principalmente as que a trouxessem com inteira confiança”.
Instantes depois o quadro girou sobre si mesmo, e Catarina viu o reverso da medalha.
Difusão da Medalha e graças operadas
Catarina perguntou a Nossa Senhora a quem recorrer para confecção da medalha. A Mãe de Deus respondeu-lhe que deveria procurar seu confessor, o Pe. João Aria Aladel: “Ele é meu servidor”. No início, o Pe. Aladel não acreditou no que Catarina dizia; mas, após dois anos de insistência, ele procurou o Arcebispo, que ordenou em 20 de junho de 1832 que fossem cunhadas duas mil medalhas.
O modo como se difundiram as medalhas foi tão prodigioso, juntamente com grande número de graças operadas, que a medalha passou a ser conhecida como Medalha Milagrosa. Por exemplo, em março de 1832, quando iam ser confeccionadas as primeiras medalhas, uma terrível epidemia de cólera, proveniente da Europa oriental, atingiu Paris. Mais de 18 mil pessoas morreram em poucas semanas. Num único dia, chegou a haver 861 mortes.
No fim de junho, as primeiras medalhas ficaram prontas e começaram a ser distribuídas entre os flagelados. Na mesma hora refluiu a peste, e tiveram início, em série, os prodígios que em poucos anos tornariam a Medalha Milagrosa mundialmente célebre.
A missão de Catarina Labouré estava cumprida. Os 46 anos que lhe restaram de vida, ela os passou como uma humilde irmã, da qual praticamente nada havia para falar. Só quando se aproximou sua morte, em 1876, sua superiora soube que fora ela a privilegiada Irmã que recebera aquela sublime missão.
Ela foi beatificada pelo Papa Pio XI em 1933 e canonizada no dia 27 de julho de 1947 pelo Papa Pio XII.
Cinqüenta e seis anos após sua morte, o corpo de Catarina foi encontrado inteiramente incorrupto, e é como se encontra ainda hoje na capela das Irmãs da Caridade, na Rue du Bac, em Paris.(4)

autor: pmsolimeo@catolicismo.com.br

Notas:
1. Pe. Jerônimo Pedreira de Castro, C.M., Santa Catarina Labouré e a Medalha Milagrosa, Editora Vozes, Petrópolis, 1947, p. 71.
2. Id., ib., p. 72.
3. Id., ib., p. 77.
4. Outras obras consultadas:
– Pe. José Leite, S.J., Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1987, pp. 360 e ss.
– As visões de Santa Catarina Labouré, http://www.padreareovaldo.hpg.ig.com.br/visoes.htm (Santuário Nossa Senhora das Graças).
– The story of St. Catherine Labouré, www.amm.org/catherine.htm


domingo, 9 de outubro de 2011

São Lucas
Evangelista de Nossa Senhora

Médico e literato, este apóstolo virgem é o mais acessível e rico dos evangelistas. Segundo a Tradição, São Lucas pintou quadros da Santíssima Virgem.

                                                                                                                 Plinio Maria Solimeo

São Lucas - Mestre de Villahermosa, séc XIV.
Museu de Belas Artes de Valença
Assim São Jerônimo descreve o evangelista São Lucas, cuja festa comemoramos no dia 18 de outubro: “Era discípulo e companheiro inseparável de São Paulo; nasceu em Antioquia, exercia a profissão de médico; ao mesmo tempo, cultivava as letras e chegou a ser muito versado em língua e literatura gregas. Seu gosto literário ressalta nessa preciosa História [Atos dos Apóstolos] que nos deixou da origem do cristianismo, mais completa em muitíssimos pontos que a dos demais evangelistas, melhor ordenada e de mais agradável leitura”.(1)
“O muito amado Lucas, médico”


São Lucas é recebido pelos Apóstolos

No século I da Era Cristã, Antioquia da Síria era muito celebrada pela sua agradável situação, esplendor de seus monumentos, riqueza de seu comércio, progresso de sua civilização e, infelizmente, também por causa dos seus costumes pagãos. Foi a primeira Sé de São Pedro antes de ele mudar-se para Roma, e foi nela que, pela primeira vez, os seguidores de Jesus Cristo receberam o nome de “cristãos”.
Nela nasceu e estudou o evangelista Lucas, autor do 3º Evangelho (o 1º é o de São Mateus, o 2º de São Marcos, e o 4º de São João) e dos Atos dos Apóstolos. Crê-se que, segundo costume da época, depois de estudar em Antioquia, Lucas foi aperfeiçoar-se na Grécia e no Egito, pois ressaltam os estudiosos que seu estilo é puro, exato, elegante.

Mapa da antiga cidade de Antioquia

Não parece ter sido judeu de religião, se bem que mostre um conhecimento detalhado do judaísmo, de seus ritos e cerimônias. É mais provável que tenha sido um prosélito dessa religião, e que não chegou a ser circuncidado. Pois São Paulo, em sua Epístola aos Colossenses, depois de citar “todos os da circuncisão”, passa aos demais, entre os quais cita “o muito amado Lucas, médico” (4, 10-14). O mais provável é que tenha sido pagão, grego de estirpe, e que, ao conhecer o cristianismo, o tenha abraçado com fervor.
Em geral aponta-se sua conversão à época em que São Paulo e São Barnabé pregaram na nascente igreja de Antioquia (At 11, 22 e ss.). Há quem afirme que ele era do número dos setenta e dois discípulos, e que, assim, teria conhecido pessoalmente Nosso Senhor. Esta hipótese tem contra si a afirmação do próprio São Lucas, de que escreveu seu Evangelho com os fatos que “nos referiram os que, desde o princípio, os viram e foram ministros da palavra” (1, 2). Quer dizer, com base em testemunhas oculares dos fatos que narra.

O “Evangelho de Maria Santíssima”

 
Quadro da Anunciação: São Lucas é
representado anotando as palavras
Entre essas testemunhas ele pôde consultar São Pedro e os demais Apóstolos e Discípulos, as Santas Mulheres, e existe a hipótese provável de ele ter recebido informações preciosas da própria Mãe de Deus. Daí ter sido ele o único evangelista a falar da Anunciação, da visita a Santa Isabel com o excelso cântico do Magnificat, do nascimento do Menino Jesus em Belém, da adoração dos pastores, da Circuncisão, Apresentação no Templo e purificação de Maria Santíssima, e da perda e encontro do Menino Jesus entre os Doutores da Lei. Pelo que seu Evangelho mereceu ser chamado por alguns de O Evangelho de Maria Santíssima. Com efeito, “dentre esses informantes, sobretudo nos primeiros capítulos do seu Evangelho, pode-se ouvir ainda a voz suave da própria mãe de Jesus”.(2)
São Lucas foi chamado também “o escritor da mansidão de Cristo”, porque em seu Evangelho ressalta muito a bondade misericordiosa e a paternal benignidade do Filho de Deus, como se expressam em suas parábolas. O que se nota principalmente nas da ovelha perdida, do filho pródigo, do bom samaritano, e sobretudo no dolorido olhar de Jesus a Pedro depois de suas negações.
Outros apontam também o importante papel que as mulheres desempenham no Evangelho de São Lucas. O paganismo as tinha rebaixado ao nível quase de escravas. “São Lucas recolhe da vida e ensinamento de Jesus tudo o que pode realçar o valor e estima que teve pela mulher”.(3)
De fato, segundo o Apóstolo São Paulo, “todos sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo. Todos vós que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo. Já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gal 3, 26-28).
Por outro lado, nesse Evangelho de uma simplicidade encantadora, “as ações e a doutrina do Salvador nele são apresentadas da maneira mais tocante; cada palavra encerra mistérios ocultos, oferece riquezas infindas”, além do que “a dignidade com a qual nos são apresentados os mistérios mais sublimes, que estão acima de toda expressão e de nossa maneira de conceber as coisas criadas, essa dignidade na qual não se encontra nenhuma palavra pomposa, tem qualquer coisa de divino”.(4)
São Lucas “possui ademais o sentido da História, e da História considerada como auxiliar da fé. Ele quer fazer um relato ‘seguido e ordenado’; para isso, 'examinou cuidadosamente as coisas desde sua origem', e consultou ‘os que desde o princípio foram testemunhas oculares e ministros da palavra’; tudo a fim de que Teófilo [a quem dirige seus livros] ‘reconheça a solidez dos ensinamentos dos que o catequizaram’ (cfr. Luc. 1, 1-4) ”.(5)
Muitos vêem no Evangelho de São Lucas uma influência muito grande de São Paulo e, “senão seu primeiro impulso, certamente sua característica: a universalidade da salvação, suas portas abertas aos gentios, a inexaurível misericórdia divina, o perdão dos pecados, a oração e a perseverança são os temas que de mais relevância se revestem neste Evangelho, que, pela suavidade de afetos de que é impregnado e pela graça da expressão, é de todos o mais atraente”.(6)
Segundo a Tradição, São Lucas é um apóstolo virgem, era também pintor, e teria pintado vários quadros da Santíssima Virgem, dos quais alguns permanecem até hoje, e mesmo de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Mestre e discípulo muito zeloso

Quando Lucas se reuniu ao Apóstolo Paulo? É mais provável, como sustenta Santo Irineu, que tenha sido quando este embarcou para Troade, na Macedônia, em sua segunda viagem missionária, no ano 51. É quando os vemos pela primeira vez juntos. A partir de então, os dois apóstolos não se separarão mais, a não ser por intervalos e quando as necessidades das novas cristandades o pediam. Lucas aparece sempre como discípulo e colaborador zeloso.
A dedicação de São Lucas a São Paulo é tocante. Participa ele de suas alegrias e de suas dores, e mesmo do seu cativeiro. “Só Lucas está comigo”, diz São Paulo tristemente na segunda epístola a Timóteo (4, 11) durante seu segundo cativeiro em Roma.
Depois vemos os dois apóstolos em Filipos. Mas, tendo o Apóstolo se trasladado para Salônica com Silas, Lucas provavelmente permaneceu em Filipos para consolidar os cristãos na fé recebida. Seis anos mais tarde, São Paulo, em sua terceira viagem, volta à Macedônia e nela encontra São Lucas. Lá escreve a segunda epístola aos Coríntios, encarregando Tito de a levar. Nela diz que Tito terá por companheiro “um irmão muito célebre em todas as igrejas”. Alguns –– São Jerônimo, em particular –– afirmam que esse irmão era São Lucas.
São Jerônimo e São Gregório Nazianzeno julgam que Lucas escreveu seu Evangelho durante o ano 53, quando pregava na Acaia com o Apóstolo Paulo.

Os Atos dos Apóstolos, primórdios do cristianismo


São Lucas é representado pelo boi, como emblema dos sacrifícios

De acordo com os intérpretes, foi durante o segundo cativeiro de São Paulo em Roma, no ano 63, que São Lucas terminou seu Atos dos Apóstolos, como continuação de seu Evangelho. Nessa narrativa cheia de vida, ele se propunha refutar os falsos relatos que se publicavam sobre a vida e os trabalhos apostólicos dos propagadores do cristianismo, bem como a deixar uma história autêntica das maravilhas que Deus operou na formação de sua Igreja.
Nos 12 primeiros capítulos dessa épica história, ele narra o que fizeram os principais Apóstolos para estabelecer o cristianismo depois da ascensão de Nosso Senhor, sobretudo o príncipe deles, São Pedro. Na quase totalidade dos capítulos restantes, conta as ações e milagres de São Paulo, como testemunha ocular ou protagonista que foi de muitos deles.
Como ele narra com muitos detalhes suas viagens marítimas, levanta-se a hipótese de antes, como médico, ter trabalhado em algum navio.
Segundo Santo Epifânio, após o martírio de São Paulo São Lucas pregou na Itália, na Gália, na Dalmácia e na Macedônia. Embora alguns afirmem que ele sofreu o martírio, a opinião mais aceita é a de que faleceu de morte natural aos 84 anos de idade, na Bitínia. Mas, como enfrentou muitos perigos pela fé de Cristo, é considerado por muitos como mártir.
Suas relíquias, que no século IV se achavam em Tebas da Beócia (Grécia), foram trasladadas para Constantinopla em 357, a pedido do Imperador Constâncio, filho de Constantino, sendo depositadas na igreja dos Santos Apóstolos com as de Santo André e São Timóteo. O Cardeal Barônio diz que São Gregório Magno levou para Roma a cabeça de São Lucas, quando voltou de sua nunciatura em Constantinopla, e a depositou na igreja do mosteiro de Santo André, que ele tinha fundado no Monte Célio. Atualmente o corpo desse Evangelista é venerado em Pavia, na Itália.
Se se aplicam aos quatro evangelistas as representações simbólicas mencionadas pelo profeta Ezequiel, São Lucas é representado pelo boi, como emblema dos sacrifícios, pois ele é o evangelista que mais insiste no sacerdócio de Jesus Cristo.

Notas:
1. Cfr. Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1955, tomo V, p. 483.
2. Pe. Matos Soares, Introdução a Lucas, Bíblia Sagrada, Edições Paulinas, 1980.
3. Pe. José Leite, S.J., Santos de cada dia, Editorial A. O., Braga, 1987, tomo III, p. 195.
4. Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Paris, 1882, tomo XII, p. 445.
5. Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Editorial Fax, Madrid, 1945, pp. 142-143.
6. Pe. Matos Soares, id., ib.













quinta-feira, 8 de setembro de 2011

São Roberto Belarmino

O maior polemista da história da Igreja
Controversista, escritor, consultor das principais congregações do Vaticano, bispo e cardeal, foi um dos mais temíveis adversários do protestantismo.

                                                                                                                          Plinio Maria Solimeo

Roberto Francesco Romolo nasceu em Montepulciano em 4 de outubro de 1542, numa família nobre empobrecida. Seu pai era Vicente Belarmino, e sua mãe Cíntia Cervine, irmã do Cardeal Marcelo, elevado depois ao papado com o nome de Marcelo II.
Muito dotado, Roberto estudou no colégio jesuíta de sua cidade. Ainda menino, sabia Virgílio de cor, compôs poemas em italiano e em latim, dominava o violino e já era hábil nos debates.
Vendo suas belas qualidades, o pai queria que ele seguisse a carreira política. Mas a mãe desejava que se tornasse jesuíta, ordem então no auge de seu fervor. A influência da mãe prevaleceu, e Roberto entrou no noviciado jesuíta de Roma em 1560. Permaneceu na Cidade Eterna três anos, indo depois para Mondovi, no Piemonte, onde aprendeu tão rapidamente o grego, que passou a lecioná-lo tanto no colégio jesuítico dessa cidade quanto no de Florença.
Roberto Belarmino foi ordenado sacerdote em Ghent, na Bélgica, em 1570. Tornou-se então professor de teologia na Universidade de Louvain, também naquele país, sendo o primeiro jesuíta a lecionar numa universidade. Em sua cátedra ensinava a Suma Teológica de Santo Tomás e atacava as opiniões heréticas de Baius (professor de exegese bíblica na mesma Universidade) sobre a graça e o livre arbítrio. Nessa época, escreveu uma gramática hebréia e fez extensivos estudos sobre os Padres da Igreja e teólogos medievais.

 “Obra não de um, mas de vários eruditos”

A estadia de São Roberto em Louvain durou sete anos. Entretanto, devido a sua saúde abalada pelo excesso de estudo e ascetismo, fez em 1576 uma viagem à Itália, visando fortalecer a fé católica nesse país. Ali foi retido pelo Papa Gregório XIII para ensinar controvérsia teológica no Colégio Romano. Suas prédicas excitavam tão vivo entusiasmo, que os próprios protestantes viajavam da Inglaterra e da Holanda para ouvi-lo. Suas aulas formaram a base de sua famosa obra Lições relativas às controvérsias da fé cristã contra os hereges contemporâneos, ou simplesmente Controvérsias, que constituem uma sistematização das várias polêmicas do tempo e um vasto arsenal, no qual se encontram as melhores armas para a defesa da fé católica.
São Roberto levou 11 anos para compor as Controvérsias. Ao serem publicadas, causaram imensa impressão em toda a Europa. Até hoje, no gênero, elas não foram suplantadas. O primeiro volume da obra trata do Verbo de Deus, de Cristo e do Papa; o segundo, da autoridade dos concílios e da Igreja militante, padecente e triunfante; o terceiro versa sobre os sacramentos; e o quarto, sobre a graça, livre-arbítrio, justificação e boas obras. O golpe assestado por elas no protestantismo foi tão doloridamente sentido pelos protestantes na Alemanha e na Inglaterra, que se fundaram cátedras especiais para tentar refutá-las. Esse escrito é tão erudito no conhecimento das Sagradas Escrituras, dos Padres da Igreja e da teologia protestante, que os protestantes propalaram não ser obra de um só homem, mas de um grupo de eruditos, com um pseudônimo. Na Inglaterra, a péssima rainha Isabel I proibiu sua leitura a quem não fosse doutor em teologia.

Diretor espiritual de São Luís Gonzaga

São Roberto Belarmino teve a dita de, como diretor espiritual no Colégio Romano, guiar os últimos anos de São Luís Gonzaga, de pureza exímia, que faleceu em 1591. Anos depois, teve também a consolação de participar da comissão que se pronunciou favoravelmente à beatificação desse santo discípulo.
Depois do assassinato de Henrique III da França, Sixto V o enviou a esse país em 1590 para acompanhar, como teólogo, o legado pontifício Cardeal Gaetano. Enquanto estava na França, soube que o Papa, que se mostrara antes muito favorável às suas Controvérsias, havia proposto colocar no Index o primeiro volume da obra, porque nele o santo concedia ao Papado um poder quase direto sobre as coisas temporais. Mas com a morte de Sixto V, isso não se deu. Alguns de seus biógrafos apontam como causa de sua tardia canonização sua opinião a respeito do poder temporal do Papa. São Roberto também denunciou seis dos maiores abusos comuns na Cúria Romana.
O novo papa, Clemente VIII, concedeu à obra a distinção de uma aprovação especial e outorgou ao autor, em 1599, o chapéu cardinalício, com o título de Santa Maria in via, alegando como razão para isso que “a Igreja de Deus não tem outro igual em saber”. O Sumo Pontífice obrigou-o, em virtude da obediência, a aceitá-lo. Esse mesmo Papa já o tinha escolhido em 1597 como seu próprio teólogo, examinador de bispos em 1598, e consultor do Santo Ofício em 1599. Encarregou-o também de escrever um prefácio para a nova versão da Vulgata, que fora revista por ele, e em 1602 nomeou-o arcebispo de Cápua, sagrando-o com suas próprias mãos, favor que se faz apenas àqueles a quem se quer honrar especialmente. Isso não impediu que São Roberto continuasse suas austeridades, como a de viver a pão e água e tirar as cortinas de seu aposento para vestir os pobres.

Arcebispo de Cápua e importantes polêmicas

Como arcebispo, São Roberto entregou-se por três anos com igual zelo aos trabalhos pastorais, cuidando tanto do bem-estar espiritual quanto material de suas ovelhas. Colocou também em vigor os decretos do Concílio de Trento. Ensinava pessoalmente o catecismo, visitava as aldeias e atendia a cada um dos que o procuravam, a qualquer hora do dia ou da noite. Ao contrário dos que hoje pregam a luta de classes, ele dizia a seus diocesanos: “Aquele que percebe o que é ser filho de Deus, do Rei dos reis, está unido a Ele com filial amor, contente com o que tem, seja muito ou pouco, porque não duvida que seu boníssimo Pai lhe concede, a cada momento, aquilo de que necessita”.(1)
Em 1605 faleceu Clemente VIII. Foi sucedido por Leão XI, que reinou apenas 26 dias, e depois por Paulo V. Nos dois conclaves para essas eleições, Belarmino obteve significativa votação. O novo Papa insistiu em mantê-lo em Roma. Designou-o prefeito da Biblioteca Vaticana e ativo membro do Santo Ofício e de diversas congregações romanas, além de principal conselheiro para questões teológicas da Santa Sé.
Por ter criticado o juramento de fidelidade que os católicos ingleses eram forçados a fazer a seu rei protestante, o santo teve ocasião de polemizar com Jaime I, da Inglaterra, que se gloriava de ser bom teólogo. O rei atacou-o em 1608, mediante um tratado em latim, ao que o erudito cardeal respondeu imediatamente, com humor, sobre os erros cometidos pelo monarca nessa língua. O soberano, que era anglicano, respondeu com novo ataque em estilo mais cuidadoso, no qual se arvorava em defensor do primitivo e verdadeiro cristianismo. Dedicou a obra ao imperador alemão Rodolfo II e a todos os monarcas da Cristandade. O cardeal contestou-o, e não houve tréplica. São Roberto costumava rezar diariamente pela conversão dos teólogos protestantes que enfrentava, incluindo o rei Jaime I. Fustigava-os em seus erros doutrinários, mas nunca lhes fez ataques pessoais.
Exerceu também papel primordial na controvérsia surgida na França com o rei Luís XIV, que pretendia, como soberano desse país, poder limitar a autoridade papal, recebendo os rendimentos das dioceses vacantes, além de outros pontos de desentendimento em relação à autoridade papal. Defendeu a supremacia do Papa em suas obras Disputationes e De Potestate summi pontificis in rebus temporalibus.
Em sua velhice, foi permitido a São Roberto voltar à sua cidade natal, Montepulciano, na qualidade de bispo, onde permaneceu por quatro anos, após os quais voltou para o colégio de Santo André, em Roma. Escreveu então obras de devoção, destacando-se seu famoso livro Elevação da mente a Deus pelos degraus das coisas criadas.
O santo quis entregar sua alma a Deus no noviciado do Gesù — a casa-mãe dos jesuítas —, e para lá foi transferido em sua última enfermidade. Gregório XV foi visitá-lo em seu leito de dor. Ao sentir a aproximação da morte, São Roberto pediu ao Pe. André, seu amigo muito próximo, para consignar por escrito que, pela misericórdia de Deus, ele morria no seio da Igreja Católica e na verdadeira fé, e que em sua última hora não pensava de modo diferente do que escrevera nas Controvérsias em defesa da Igreja. Sentindo-se desfalecer, recitou o Símbolo dos Apóstolos, o salmo 50, o Pai Nosso e a Ave-Maria, assistido por padres da Companhia de Jesus. Entregou sua alma a Deus aos 79 anos, no dia 17 de setembro de 1621.
Apesar da fama de santidade já em vida, São Roberto Belarmino só foi beatificado e depois canonizado por Pio XI, em 1930. Esse Papa declarou-o também Doutor da Igreja. Seus restos mortais repousam na capela do Colégio Romano, ao lado do corpo de seu aluno e penitente São Luís Gonzaga, como ele tinha pedido.(2)

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Notas:
1. Pe. José Leite S.J., Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1987, vol. III, p. 57.
2. Outras obras consultadas:
- Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Paris, 1882, tomo XI.
- www.cobra.pages.nom.br/fm-bellarmino.html
- http://www.answers.com/topic/robert-bellarmine
- http://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Bellarmine

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

São João Maria Vianney
O Santo Cura d´Ars
Pouco dotado intelectualmente, atingiu esse santo vigário alto grau de santidade. Seu êxito foi tão grande, que atraiu multidões de todas as partes da França e de vários países europeus.
· Plinio Maria Solimeo

O futuro Cura d’Ars nasceu na pequena localidade de Dardilly, perto de Lyon, na França, no dia 8 de maio de 1786, de família de agricultores piedosos. Foi consagrado a Nossa Senhora no próprio dia do nascimento, data em que foi também batizado.

Sua instrução foi precária, pois passou a infância em pleno Terror da Revolução Francesa, com os sacerdotes perseguidos e as escolas fechadas. João Maria tinha 13 anos quando recebeu a Primeira Comunhão das mãos de um sacerdote “refratário” (que não tinha jurado a ímpia Constituição do Clero), durante o segundo Terror, em 1799.(1)

Com a subida de Napoleão e a Concordata com a Santa Sé, foi possível a João Maria iniciar seus estudos eclesiásticos aos 20 anos, terminando-os aos 29, depois de mil e uma contrariedades.

É impossível, nos limites de um artigo, abranger toda a vida apostólica do Cura d’Ars. Por isso limitar-me-ei a abordar um aspecto dela, que foi como transformou a pequena localidade de Ars de modo a tornar-se ponto de admiração de toda a França.

Ars ao tempo da chegada do santo

Quando o jovem sacerdote chegou a Ars, esta era um pequeno aglomerado de casas, contando apenas 250 habitantes, quase todos agricultores. Como a maior parte das localidades rurais da França, sacudidas durante 10 anos pelos vendavais da Revolução Francesa, encontrava-se em plena decadência religiosa. Vivia-se um paganismo prático formado de negligência, indiferentismo e esquecimento das práticas religiosas.

A cidadezinha de Ars assemelhava-se às paróquias vizinhas, não sendo nem melhor nem pior que elas. Havia nela um certo fundo religioso, mas com muito pouca piedade.

Como transformá-la num modelo de vida católica, ambição de São João Batista Vianney?

Santificando-se para santificar os outros

Primeiro, pela oração e pelos sacrifícios do vigário por suas ovelhas. Já no dia de sua chegada, o Padre Vianney deu o colchão a um pobre e deitou-se sobre uns sarmentos junto à parede, com um pedaço de madeira como travesseiro. Como a parede e o chão eram úmidos, contraiu de imediato uma nevralgia, que durou 15 anos. Seu jejum era permanente, habitualmente passando três dias sem comer; e quando o fazia, alimentava-se somente de batatas cozidas no início da semana e já emboloradas. Mas ele sobretudo passava horas e horas ajoelhado diante do Santíssimo Sacramento, implorando a conversão de seus paroquianos.

Uma de suas primeiras medidas práticas foi reformar a igreja que, por respeito ao Santíssimo Sacramento, desejava que fosse a melhor possível.

“Esforcemo-nos para ir para o Céu”
Outra de suas solicitudes foi para com a juventude. Atraía todos para o catecismo. Exigia que este fosse aprendido de cor, palavra por palavra, e só admitia à Primeira Comunhão quem estivesse assim devidamente preparado. Instava com os meninos e adolescentes para que cada um levasse sempre consigo o Rosário, e tinha no bolso alguns extras para aqueles que houvessem perdido o seu.

Paulatinamente os esforços do santo foram sendo coroados de êxito, de maneira que os jovens de Ars chegaram a ser os mais bem instruídos da comarca.

Nas missas dominicais, pregava sobre os deveres de cada um para consigo, para com o próximo e para com Deus. Falava constantemente do inferno e do que precisamos fazer para evitá-lo: “Ó, meus queridos paroquianos, esforcemo-nos para ir para o Céu. Lá havemos de ver a Deus. Como seremos felizes! Que desgraça se algum de vós se perder eternamente!”

Ele exigia a devida compostura e atitude própria a bons católicos na igreja, por respeito à Presença Real de Nosso Senhor Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento.

“Arruinados todos aqueles que abrirem tabernas”

A guerra que moveu contra as tabernas também foi bem sucedida. Aos que a elas iam, em vez de comparecer à missa no domingo, dizia: “Pobre gente, como sois infelizes. Segui vosso caminho rotineiro; segui-o, que o inferno vos espera”. Ameaçava-os de não só perderem os bens eternos, mas também os terrenos.

Aos poucos, por falta de fregueses, as tabernas foram se fechando. Outros tentaram abri-las, mas eram obrigados a cerrá-las. A maldição de um santo pesava sobre eles: “Vós vereis arruinados todos aqueles que aqui abrirem tabernas”, disse no púlpito. E assim foi. Quando elas se fecharam, o número de indigentes diminuiu, pois suprimiu-se a causa principal da miséria, que era moral.

Luta contra blasfêmias e trabalho aos domingos
Quarto do Santo
“Blasfêmias e trabalhos nos domingos, bailes, cabarés, serões nas vivendas e conversas obscenas, englobava tudo numa comum maldição”. Por anos a fio pregou contra isso, exortando no confessionário, no púlpito e nas visitas que fazia às famílias. Dizia: “Se um pastor quiser se salvar, precisa, quando encontrar alguma desordem na paróquia, saber calcar aos pés o respeito humano, o temor de ser desprezado e o ódio dos paroquianos [e denunciar o mal]”.

A guerra do santo cura contra as blasfêmias, juramentos, imprecações e expressões grosseiras foi sem quartel; e tão bem sucedida, que desapareceram de Ars. Em vez delas passou-se a ouvir entre os camponeses expressões como Deus seja bendito! Como Deus é bom! Em vez das cançõezinhas chulas da época, hinos e cânticos religiosos.

A luta contra o trabalho nos domingos foi também tenaz e durou quase oito anos. “A primeira vez que do púlpito abordou o tema, fê-lo com tantas lágrimas, tais acentos de indignação, com tal comoção de todo o seu ser que, passado meio século, os velhos que o ouviram ainda se lembravam com emoção. [...] Vós trabalhais, dizia ele, mas o que ganhais é a ruína para a vossa alma e para o vosso corpo. Se perguntássemos aos que trabalham nos domingos 'que acabais de fazer?’, bem poderiam responder: ‘Acabamos de vender a nossa alma ao demônio e de crucificar Nosso Senhor. Estamos no caminho do inferno’”. Depois de muita insistência, em Ars o domingo tornou-se verdadeiramente o Dia do Senhor.

Combate aos bailes durante 25 anos

Ars era o lugar predileto dos jovens dançarinos das vizinhanças. Tudo era pretexto para um baile. Para acabar com eles, o Santo Cura d’Ars levou 25 anos de combate renhido.

Explicava que não basta evitar o pecado, mas deve-se fugir também das ocasiões. Por isso, abrangia no mesmo anátema o pecado e a ocasião de pecado. Atacava assim ao mesmo tempo a dança e a paixão impura por ela alimentada: “Não há um só mandamento da Lei de Deus que o baile não transgrida. [...] Meu Deus, poderão ter olhos tão cegos a ponto de crerem que não há mal na dança, quando ela é a corda com que o demônio arrasta mais almas para o inferno? O demônio rodeia um baile como um muro cerca um jardim. As pessoas que entram num salão de baile deixam na porta o seu Anjo da Guarda e o demônio o substitui, de sorte que há tantos demônios quantos são os que dançam”.
O Santo era inexorável não só com quem dançasse, mas também com os que fossem somente “assistir” ao baile, pois a sensualidade também entra pelos olhos. Negava-lhes também a absolvição, a menos que prometessem nunca mais fazê-lo. Ao reformar a igreja, erigiu um altar em honra de São João Batista, e em seu arco mandou esculpir a frase: Sua cabeça foi o preço de uma dança!... É de ressaltar-se que os bailes da época, em comparação com os de hoje, sobretudo do pula-pula frenético e imoral do carnaval e as novas danças modernas, eram como que inocentes. Mas era o começo que desfechou nos bailes atuais.

A vitória do Pe. Vianney neste campo foi total. Os bailes desapareceram de Ars. E não só os bailes, mas até alguns divertimentos inofensivos que ele julgava indignos de bons católicos.

Junto a eles combateu também as modas que julgava indecentes na época (e que, perto do quase nudismo atual, poderiam ser consideradas recatadas!). As moças, dizia, “com seus atrativos rebuscados e indecentes, logo darão a entender que são um instrumento de que se serve o inferno para perder as almas. Só no tribunal de Deus saber-se-á o número de pecados de que foram causa”. Na igreja jamais tolerou decotes ou braços nus.

Ars transformada pelo santo

Revmo Pe David celebrando diante do corpo
de São João Maria Vianey em Ars.

Um sacerdote santo torna piedosos seus paroquianos. Assim, apenas três anos e meio depois de sua chegada, o santo Cura já podia escrever: “Encontro-me numa paróquia de muito fervor religioso e que serve a Deus de todo o seu coração”. Em 1827 (seis anos depois), exclamava entusiasmado do púlpito: “Meus irmãos, Ars não é mais a mesma! Tenho confessado e pregado em missões e jubileus. Nada encontrei como aqui”.

É que, ao mesmo tempo em que reprimia os abusos, semeava também a boa semente. E ele aspirava, para seus paroquianos, ao ideal de perfeição do qual os cria capazes. Recomendava-lhes que rezassem antes e depois das refeições, recitassem o Ângelus três vezes ao dia onde quer que estivessem; e que, ao levantar e deitar, fizessem a oração da manhã e a da noite. Esta passou a ser feita também em comum na igreja ao toque do sino. Os que ficavam em casa ajoelhavam-se diante de algum quadro ou imagem religiosa, ali fazendo suas orações.

Com o tempo passou-se a dizer que em Ars o respeito humano fora invertido: tinha-se vergonha de não fazer o bem e de não praticar a Religião. O que é um auge de vitória da Igreja! Ars tornou-se também um centro de piedade e religiosidade.

Por isso, os peregrinos admiravam nas ruas da cidade a serenidade de certos semblantes, reflexo da paz perfeita de almas que vivem constantemente unidas a Deus.

 
Notas:

1. Francis Trochu, O Santo Cura d’Ars, Editora Littera Maciel Ltda., Contagem, MG, 1997, p. 27. Todos os textos citados sem mencionar a fonte foram extraídos desta obra.

Outras obras consultadas:

– Edelvives, El Santo de cada Dia, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1948, tomo 4, pp. 403 e ss.

– Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo 3, pp. 313 e ss.